domingo, 2 de agosto de 2009

Preciso enviar mais cartas escritas à mão.

Foi ontem que assisti, pela segunda vez, ao filme “Uma Carta de Amor” com Kevin Costner. Já tinha esquecido o quanto a história era enfadonha.

Zapeando pelos canais de TV, parei no TNT. Não tinha escolha e nem força para permanecer com os olhos abertos no aconchego do escuro da sala e do macio do sofá. Dormi.

Foi em dezembro, próximo ao Natal, que enviei uma carta para um amigo. O computador ficou descansando enquanto uma caneta azul e algumas folhas de um caderno, provavelmente que levava para as aulas de inglês, acolhiam minha letra já não tão legível pelo excesso do uso do teclado. Perdi o costume de escrever a mão.

Tenho, no meu guarda-roupa, uma caixa de sapato vazia de sapatos e completa por cartas. Cartões de Natal, convites para bailes de formatura e festas de quinze anos, lembrancinhas de aniversário também estão lá dentro. É uma caixa de memórias. Na adolescência eu escrevia mais.

Era de minha tia Iolanda, a Nenê, de quem eu mais recebia cartas. Até chegarem aqui, percorriam um caminho longo que exibia morros e montanhas nos mais diferentes tons de verde. Algumas ladeiras e serras compunham a paisagem da Capital até o interior mineiro. Minas é um mar de montanhas – já disse Rubem Alves.

Na minha casa não tinha caixa de correios. As cartas eram entregues por debaixo do portão.
Mesmo tendo sua madeira gasta e corroída pelo tempo, ele protegia a entrada de nossa casa. Sem dobradiças, ele ficava solto do portal que também não existia. Um toco de pau, que em outra época serviu para segurar o arame para secar roupas e como vara para apanhar mangas, dava suporte para que ele não caísse. Era uma barricada.

Aniversário era quando eu mais recebia cartas e cartões.

Stamp Poster era o nome da loja onde eu comprava os cartões para enviar às pessoas que eram caras para mim. Caras de especiais, valiosas. Perdia-me com tantas opções, frases, fotos e formatos. Sou fascinado por imagens e cores.

Da minha casa até o centro da cidade gastavam-se quinze minutos. O ônibus parava na praça central e de lá até a loja era um pulo. De novo na praça, comprava meu gibi favorito, o do Homem-Aranha.

Minha tia faleceu. Troquei a loja pelo Zip Mail. Ela fechou. O Zip Mail também. Lançaram, no cinema, o filme do Homem-Aranha. Tenho sentido que a vida é rápida em mudar. A gente que é lenta.

Pelo GMail recebo inúmeras mensagens, mas nenhuma carta. Sinto saudades daquelas que vinham com o cheiro da cidade de onde partiram, com as digitais e o perfume das pessoas que as redigiam carinhosamente. Algumas certamente eram escritas sobre a mesa onde fora servido o café da manhã, pois vinham com uma mancha de manteiga. Sinto falta de ver mais letra e menos bite.

Não leio por muito tempo um pedido de desculpas pelas “mal traçadas linhas” – como cantaram Renato Russo e Erasmo Carlos na música A Carta. E talvez os colecionadores de selo estejam colecionando modelos de timbres e layouts para e-mail.

Minhas moedas, para selar alguma correspondência, estão guardadas. As caixas de postagem dos Correios devem estar solitárias em alguma esquina. Sinto-me também responsável por isso.
Aqui não tem mar. Não receberei nenhuma carta dentro de uma garrafa de vidro – como no filme “Uma Carta de Amor”. Tampouco poderei enviar daqui alguma carta por este caminho molhado.

Agora tenho caixa de correios. Mensalmente elas estão lá: as faturas de energia, água e telefone. Diariamente, muitos panfletos promocionais de supermercados são estocados também. Vez ou outra aparece um imã de geladeira com alguma propaganda de depósito de gás.

Neste domingo que termina com uma tarde nublada, fico pensando nas coisas que nos têm chegado e ocupado nossa caixa de correios da vida. Penso naquilo que protegemos ou guardamos dentro de uma garrafa de vidro ou numa caixa de sapato. O que estamos protegendo? Do que estamos nos protegendo? Será que queremos mesmo ser protegidos? Se queremos, por qual motivo o nosso portão é feito de madeira velha e corroída? Tenho outra caixa de sapato vazia de sapato. Preciso enviar mais cartas escritas à mão.

Um comentário: