terça-feira, 3 de novembro de 2009

A janela de meu quarto está aberta.

São por volta das 23h45 quando me deito depois de ter passado o protetor labial. Viro-me de lado, pra direita, e suspiro. Ajeito a cabeça num travesseiro. O braço direito repousa num outro travesseiro enquanto o esquerdo, caído por cima das costelas, pousa a mão até o colchão. Uma perna dobrada. A outra, nem tanto.

Algumas imagens se formam na parede clara pela luz dos faróis que voltam pra casa. Pode ser que também estejam saindo de casa. A claridade vem com o barulho que, frequentemente, é de alguma sirene.

Pela janela fechada não passa o vento e nem as baratas voadoras. No entanto, em poucas noites, sou visitado pela luz da Lua sobre minha cama. Vez em quando ela puxa uma e outra nuvem para se esconder do meu olhar. Tenho percebido que a Lua é muito tímida. Acho que por isso prefere passear pela noite, quando a maioria das pessoas está dormindo.

Olhos amolecidos pelo sono ainda se atentam pelo, por certo, último barulho iluminado que passa pela janela. É um avião branco e laranja. Dizem que ele vem de São Paulo todas as noites. Não que seja tão grande, mas da minha cama ele é. Elegante, pomposo, cheio de luz e ronco ele também é. Sou fascinado por essa invenção. Tenho medo de voar.

Suas grades de ferro foram pintadas em cor laranja, assim como uma das cores do avião. Era um vitrô, simples e com vidro canelado – lembrava uma colméia - um dos tipos mais simples.

Por ele, aos sete anos de idade, via o balanço da sombra do pé de limão que me assustava ao se transformar no “Mão de Pilão”. Quando eu caprichava nas peraltices, minhas irmãs me diziam que o “Mão de Pilão” viria me pegar. Na época, eu acreditava que ele fosse um bandido muito perigoso.

Outros três vitrôs estavam pelos outros três cômodos da casa que não era de tijolos, mas de placa de cimento. No calor era insuportável. No frio também. Das várias casas onde morei, era dela que mais gostava. Porque ela, tão pequena, encurtava meus passos e aumentava a proximidade entre nossa família.

Na minha adolescência, morei numa casa não acabada. Os vitrôs, sem vidros canelados, foram cobertos por papelão. Outros espaços, onde seriam chumbados os vitrôs, receberam pilhas de tijolos sem massa de reboco ou cimento. Era apenas uma barricada contra o vento e a chuva.

Não entrava vento. Não entrava luz. Não entrava chuva. Nossa casa ficou assim por muito tempo. Já tinha me acostumado à sensação de sempre noite ou dia nublado sem chuva.

Minha irmã do meio fez uma cirurgia no coração. Uma das recomendações do médico foi colocá-la num quarto ventilado. Parede quebrada, vitrô retirado, veneziana afixada. Agora a luz do Sol e o vento dançavam e, vez e outra, traziam folhas secas e o desarrumo no lençol. Não era raro ouvir também a braveza da porta do quarto por ter sido fechada pelo vento que, apressadamente, queria arejar toda a casa.

A casa não acabada foi reformada antes de ser terminada. Foi logo depois de minha mãe ter sido encantada.

Por fim, a nova casa recebera o nome de Maria Clara. Uma homenagem justa para um lugar onde, até então, não se via muita luz e nem sentia muito vento. Fui cuidadoso em garantir que a nova casa tivesse muita claridade e ventilação.

Outra noite, pelo calor, mas muito mais pela companhia que ocupava o travesseiro onde repouso meu braço direito, resolvi abrir a janela.

Os visitantes boêmios estavam lá: a Lua, as imagens e o barulho produzidos pelos faróis que voltam ou saem de casa. Não demorou muito até chegar o ronco exuberante da beleza do avião.

Outro compadre, o vento, que há muito andara sumido desde o vitrô da casa não acabada, concedeu o ar da graça. É refrescante matar a saudade de quem deixamos ser levado pela ausência.

É prudente cuidarmos das palavras que dizemos para não descuidarmos das pessoas que as escutam. Algumas palavras, plantadas num coração inocente, podem transformar a sombra do balanço do pé de limão num violento “Mão de Pilão”.

Molhar na chuva e queimar no calor do Sol é melhor que ficar refém dos tijolos empilhados ou dos papelões afixados na grade do vitrô. Empilhamos desculpas para não arriscar.

Maturidade, inteligência ou idade interferem pouco no processo de aprender. Algumas pessoas vão mesmo nos ensinar a abrir as janelas que há tanto tempo foram fechadas pelo medo das baratas voadoras. Abrir janelas é uma decisão decorrente do querer. Matemos algumas baratas para respirarmos um ar renovado e puro numa noite quente de verão.

Dizem que os olhos são as janelas da alma. Por mais que estejam sonolentos, quero manter meus olhos abertos para ver todas as janelas que se abrem depois de algumas portas terem sido fechadas pelo vento, sem maldade, que, apressadamente, queria entrar e arejar toda a casa e não somente o quarto.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Meus heróis estão morrendo

Houve época, na infância, em que eu passava grande parte do meu tempo a desenhar. Em cada traço, se traçava uma história criada para encobrir a falta de brinquedos.

A outra parte, que não era mais tão grande, eu dividia entre a escola e as brincadeiras de rua. Uma das minhas favoritas era, sem dúvida, a bandeirinha.

Um risco, feito com a ajuda de uma pedra, dividia o chão de terra ao meio. De um lado, meninos e meninas. Do outro, também. De um lado, um galho de árvore. Do outro, também.

O desafio era pegar a bandeirinha que estava no lado oposto. A bandeirinha – esse galho de árvore sempre protegido das mãos dos moleques e molecas ofegantes por causa do carreirão e das investidas para invadir o território do adversário.

No dicionário, carreirão vem de caminho estreito, atalho. Para meus pais foi sinônimo de que alguém tinha ou deveria correr muito, depressa, afoito, ligeiro, a passos largos, sem olhar prá traz.

Num sábado a noite, talvez depois de ter brincado de bandeirinha e tomado uma Soda Limonada bem gelada, deitei-me no banquinho - um banco duro, de madeira e que ficava no boteco dos meus pais. Devia ter um metro e meio de comprimento – tamanho mais que suficiente para descansar as pernas tremulas por causa do carreirão. Eu sempre adormecia nesse banco enquanto esperava meus pais fecharem o boteco.

Uma TV Colorado, preto e branco, se punha à frente desse colchão de madeira. Foi por ela que assisti, pela primeira vez, a mocinha do filme ser convidada para voar e não para dançar. E, sejamos sinceros, uma forma, no mínimo, mais criativa e romântica de causar frio na barriga a uma dama – muito melhor que uma montanha russa. No caso do Superman, com Christopher Reeve, diria que foi genuína; típica de um homem que podia voar.

Na minha casa de infância tinha um pé de chuchu. Honestamente, devia ter uns três. Minha cidade não era tão quente como agora, as pessoas ainda sentavam na porta de casa para conversar com os vizinhos ou escutar, sob o sereno, as canções das cigarras e as músicas da rádio AM. Pés de abacate, laranja, limão, goiaba, banana, mandioca, couve, alho e romã também compunham a decoração do nosso quintal. Entre um pé e outro, algumas galinhas ciscavam o terreiro enquanto num pequeno chiqueiro alguns capados estavam sendo engordados para serem vendidos no Natal.

Vez e outra a Dilza, minha prima, pousava lá em casa. Pousava de dormir, repousar. O fim da noite, antes de ir prá cama, era de sopa de macarrão com Chuchu feito por ela e minhas duas irmãs. Tudo isso para assistirmos à série As Panteras. Hoje, prefiro pizza ou uma boa e grande barra de chocolate com flocos de arroz.

Da década de 70, foi um seriado americano exibido no Brasil por muitos anos. A Dilza incorporava a personagem Jill (Farrah Fawcett), minha irmã mais velha a Sabrina (Kate Jackson) e a do meio, pois o mais novo sou eu, a Kelly (Jaclyn Smith). Eram noites memoráveis. Tenho saudades delas. Das noites, das Panteras e da molequice da Jill.

Hoje, quando visito minha prima, ao invés da sopa de macarrão com chuchu comemos macarrão seco. É como chamamos, carinhosamente aqui no interior, o macarrão ao molho de massa de tomate.

Eu tinha treze anos quando quis dançar como Johnny Castle. Na mesma ocasião estavam surgindo, vagarosamente e com enormes rádios, os grupos de dança de rua. Preferi colocar as pernas a caminho da escola. Só dancei quadrilha.

O pensamento na dança veio pelo molejo e vibração do ritmo frenético de Johnny Castle, personagem vivido por Patrick Swayze no filme Dirty Dancing.

Digo que ele foi tão original quanto o Superman ao usar, seu poder da dança, para conquistar Baby, a mocinha vivida por Jennifer Grey, e dançar com ela a última música que encerraria as festividades da colônia de férias de 1963. Depois da quadrilha, já dancei muitas vezes e vários outros estilos. Até que sou bom nisso.

Uma queda enquanto cavalgava pôs fim nas asas do Superman (Christopher Reeve). Um câncer corroeu a vida de Jill (Farrah Fawcett) e Johnny (Patrick Swayze). Foram tão heróis quanto humanos, corajosos e fortes como toda criança que, no carrerião, busca pela bandeirinha no território do adversário. Penso que buscaram pela vida com a mesma sede que eu buscava pela bandeirinha e Soda Limonada gelada.

Assim como meus olhos brilhavam quando os viam coloridos, pela tv em preto e branco, acredito que os olhos deles brilhavam a cada possibilidade de cura que surgia para colorir seus dias cinzentos.

A sopa de macarrão com chuchu não é mais ou menos saborosa que o macarrão seco. As companhias, as pessoas que estão do nosso lado são os melhores temperos. Como gosto do tempero que minha família coloca na minha vida.

Quando mantemos na fase adulta a leveza da criança, é possível dormir sossegadamente num banquinho duro ou dedicar parte do nosso tempo para desenhar com giz colorido as histórias que desejamos viver.

A graça da vida, não de ser divertida e sim de ser repleta de benevolência, consiste exatamente nisso: nos presentear com asas, molequice e ritmo para dançar e ziquezaguear por jardins coloridos quando o mato seco e os dias sem cores insistem em compor a decoração do nosso quintal.

Sejamos homens e mulheres de aço que não se deixam ser divididos pelo risco da pedra que exclui, limita e segrega.

Sejamos heróis tão humanos, corajosos e fortes para não curvarmos diante dos adversários – situações da vida - que possam querer tomar a nossa bandeirinha.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Tenho três pares de chinelos

Foi na minha adolescência que aprendi a arrumar minha cama. Não que eu gostasse. Não podia ir à escola sem arrumá-la. Minha mãe foi bastante rígida com isso também.

Não fui diferente de outras crianças ou adolescentes. Também não gostava de levantar cedo e ainda mais prá ir à escola. Agora, diariamente estou de pé às 06h.

Ainda sinto saudades do cheiro do café vindo da cozinha, passado pelo coador de pano, e do rádio sintonizado em modas de viola enquanto sua voz grave e militar me intimava a sair do conforto daquele ninho quente e protetor. Naquela época o colchão era de palha, trazido da roça.

Fingia estar num sono profundo. Com seu jeito impaciente e despachado, pedia para meu vagaroso pai chamar-me. Ele saia irritado do quarto por eu, sequer, mexer um olho após sua insistência e vários cutucões. Depois disso, sim! Estava pronto para deixar as cobertas.

Eram três. Todas tecidas, linha a linha, em algodão. Duas delas em tons esverdeados e a outra em mostarda. As roupas de cama nunca combinavam.

Muito claros e macios, na infância dormi em lençóis feitos de pano de saco, alvejados pela água sanitária e sabão de bola feito pela minha mãe.

A mochila, em brim. De papel de pão as capas dos cadernos e livros. Todos muito bem cuidados, obrigado. Só podiam ser pegos depois da cama arrumada e café tomado. Gostava de molhar o pão no café.

Meus pais nunca se preocuparam se eu havia ou não feito o dever de casa. Tinham outras preocupações. Eu sempre fazia.

Cansados, eles já não conseguiam cuidar de tudo. Aprendi a arrumar a cama. Agora tinha também que arrumar a casa. Pelo menos aqui em Minas, a gente troca a palavra organizar por arrumar. Da mesma forma, “lavamustrem” ao invés de “lavamos a louça”.

Ela sempre deixava os chinelos debaixo da mesa da cozinha. Isso era um desleixo para quem tinha aprendido, com ela, a cuidar da casa. Não foram poucas às vezes em que discuti com minha mãe por causa disso. Havaianas com tiras azuis e um leve desgaste onde o dedão se acomodava e apertava.

Foi logo após o enterro de minha mãe que lavei toda a casa. No outro dia acordei sem o cheiro do café. Olhei prá mesa. Os chinelos não estavam debaixo dela. Nunca mais tive que guardá-los. Também não guardei o choro.

Na semana passada passei pela recepção da empresa onde trabalho. Lá tem um balcão enorme e sobre ele algumas revistas. Estavam todas fora do lugar ou como podemos dizer “bagunçadas”. Algumas sobre o sofá e o balcão e outras sobre uma das mesas que também ficam por lá. Oficialmente, não seria minha responsabilidade, todavia organizei-as enquanto resmungava mentalmente sobre a falta de educação e cuidado das pessoas.

Tem dias que tropeço nos sapatos que deixo pelo quarto. É, geralmente, no fim de semana que consigo colocar as coisas no lugar. Ainda bem que posso me desculpar pela correria do dia-a-dia.

Tenho uma “quinzenalista” que cuida da casa. Eu sou o “semanalista”. Acredito que não exista esta expressão. Gosto de imprimir o “meu jeito” na casa. Várias pessoas preferem dizer “colocar a nossa energia na casa”.

O anoitecer está trazendo uma noite possivelmente fria e um chuvisco manso – àquele que coloca quietação e brandura no sono. Com suas paredes claras, ela já me cobre e aquece. Em gratidão e respeito por essa acolhida diária, dedico parte do meu tempo para cuidar da minha casa, das coisas que tenho e das pessoas que amo.

Macio e de mola é o colchão que me aguarda numa cama que não foi arrumada – do jeito da minha mãe - desde cedo. Há tempos arrumo a cama do meu jeito. Aprendi que os filhos quando não se arrumam – deixam de se organizar internamente - repetem por uma vida o comportamento dos pais. É fascinante ser gente do jeito da gente.

Enquanto arrumo a minha casa física – a de tijolos – também arrumo a minha casa interior que se traduz, na verdade, em minhas emoções, afetos, desafetos, sentimentos e ressentimentos. Ressentir que não vem de mágoa, mas de sentir outra vez, de outra forma, com diferente intensidade, num novo momento, num novo eu.

É muito bom quando colocamos “nossos sapatos no lugar” – nossos pensamentos, sentimentos, afetos e desafetos, a vida - cada um em sua prateleira. Isso evita muitos esbarrões e tombos indesejados, principalmente quando vamos ao banheiro à noite sem acender a luz.

Às vezes impomos às pessoas o nosso “jeito de organizar” – o nosso jeito de ser e fazer as coisas. A sensatez e o respeito devem estar presentes quando pedimos a alguém para tirar seus chinelos debaixo da mesa.

Por outro lado, em algumas situações é mais inteligente e prudente deixar nossos chinelos – nossa vida, nossos afetos e desafetos, sentimentos e pensamentos – como e onde estão.

Nem sempre os chinelos debaixo da mesa desarrumam a casa. Hoje percebo que, no caso da minha mãe, eles nunca desarrumaram nada. Tudo estava no seu devido lugar.

A água do choro, ou àquela que usei para lavar a casa e as louças, serve para a mesma coisa: lavar, alvejar os lençóis e as linhas em algodão coloridas que tecem a coberta da vida que nos aninha e descansa.

Que acordemos cedo, sem ser chamados ou cutucados, para cuidar e arrumar a nossa cama e a casa. Não precisaremos, pois, usar a “desculpa da correria do dia-a-dia” para e por não sermos gratos, respeitosos e dedicados em cuidar de si, do outro e das coisas. Tenho três pares de chinelos.

domingo, 23 de agosto de 2009

Vou estar aqui quando ele passar.

Foi em 1986 que ele voltou a passar pela Terra. Houve grande alvoroço e, como sempre, mensagens apocalípticas sobre o fim dos tempos. Sentado no meio fio em frente a minha casa, ficava por horas olhando fixamente para o Céu escuro. Confesso que sequer vi a cauda do Halley. Eu tinha doze anos.

Contrariando minha mãe, eu e meu primo fomos andar na bicicleta do meu pai logo após o almoço. Enquanto ele pedalava numa banguela – era assim que as pessoas chamavam as ruas “ladeirosas” – para assustarmos um moleque do bairro, resolvi pular da garupa. Nome esquisito e, se não explicado, pode parecer um regionalismo Mineiro. Está lá no dicionário: “garupa é um termo usado para se referir à parte posterior de certos animais que vai desde os rins até a base da cauda”.

As bicicletas e suas versões motorizadas, as motos, herdaram a garupa desses animais – certamente dos cavalos. Fui traquina. Não era briguento. No pulo, quebrei o braço.

Dor insuportável anestesiada pelo sermão de minha mãe – ela e todas as outras são assim.

Na semana retrasada não fui à academia. Ri sozinho do alvoroço – não foi culpa do Halley e sim da Gripe Suína. Rotina alterada.

Na minha memória de infância, o álcool está associado à dor por ser inflamável e causar queimaduras, bem como preparar o bumbum, tão indefeso, para receber uma agulhada do farmacêutico.

Uma vez, para me defender de um “monstro” de jaleco branco e de sua “injeção”, ataquei-o com várias cabeças de cebola que estavam sobre a mesa da cozinha. Para criança, farmacêutico é um mostro de jaleco branco.

Ele fica próximo a minha mesa de trabalho: menos líquido, mais pastoso, em gel. Com perfume que não aciona minha memória de infância. Sempre passo o álcool nas mãos para evitar a Gripe. Entre uma passada e outra me dei conta dos fatos históricos que vivi e tenho vivido. Ri mais ainda.

Sinto, penso, percebo e vivo o que minhas pequenas sobrinhas, de três e dois anos, só irão ler nos livros de história. Certamente serão questões do ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio – se resistir até lá.

Vi e ouvi a Fafá de Belém interpretar o Hino Nacional Brasileiro no movimento Diretas Já.
Emocionei-me com a eleição e a morte de Tancredo Neves.

Embraveci com a vitória de Collor e vibrei com o seu “suposto” impeachment.

Senti o terror e a revolução sexual causados pela AIDS.

Tive no bolso o Cruzeiro, Cruzado, Cruzado Novo, Cruzeiro, Cruzeiro Real e Real.

Pela TV eu conheci a ovelha Dolly, acompanhei o funeral de um Papa e a eleição de outro, assustei-me ao ver a calamidade provocada pelas tsunamis e o movimento para frear o Aquecimento Global.

Participei das eleições presidenciais que colocaram Lula no poder por duas vezes consecutivas.

Esperei pelo Bug do Milênio. Passei por ele intacto.

Horrorizado fiquei com a queda das torres gêmeas e ao mesmo tempo tive mais esperança no mundo ao ver um negro ocupando o maior cargo político do planeta.

Estou atônito com os últimos acontecimentos que envolvem as TVs Globo e Record.

São tantas vivências que me perco nelas e, confesso, seria chato para você ler todas elas.

O cometa Halley passa pela órbita terrestre a cada setenta e seis anos. Sua nova visita está prevista para 2061 ou 2062. Fico pensando no que mais viverei até que ele volte. Até lá, não ficarei sentado esperando por ele.

Penso que, por segurança, devemos aprender a pular da garupa – sair das situações que podem quebrar nosso braço, nos ferir de alguma forma. O melhor é não entrar nelas e ter um “passeio de bicicleta menos arriscado”.

Podemos ficar anestesiados com as coisas da vida e com a atitude das pessoas como fiquei pela dor do braço quebrado e pelo sermão da minha mãe. Ainda bem que a anestesia passa. Não fiquemos paralisados.

Alguns vírus podem mesmo nos impedir, por um tempo, de ir aonde temos vontade ou de fazer aquilo que deliciosamente se faz num dia comum - e isso inclui a academia. Que sejam vírus reais e não àqueles que aprisionam e adoecem nossas emoções.

Que tenhamos ao alcance de nossas mãos muitas cabeças de cebola para serem atiradas contra os “monstros de jalecos brancos” – nossos medos. Cada cebola atirada reforçará nossos músculos. Assim, estaremos mais fortalecidos para 2061 ou 2062.

Afinal, quero estar vivo aos oitenta e oito anos para, novamente, sentar no meio fio e olhar fixamente para o Céu para ver o Halley – nem que seja a sua cauda.

sábado, 15 de agosto de 2009

Lenço de bolso

Queria ter escrito e postado um texto pelo Dia dos Pais. Não consegui por alguns motivos. Hoje, pensei em redigir sobre três assuntos. Senti-me em dívida com meu pai. Em agradecimento a ele, priorizei uma parte de sua história que também é minha.

Quando a tarde mostrava seus últimos instantes de Sol e as primeiras sombras da noite chegavam mansamente, ele era ligado. Preto, pequeno, de seis faixas - sem FM - o rádio Motorádio sempre foi um dos poucos companheiros e amigos de meu pai.

Até chegar à Educadora, o botão para sintonizar era girado por seus dedos morenos, finos e amarelados pela nicotina do cigarro. Não me lembro mais o nome do programa. As músicas eram sertanejas, de raiz e cada nota aprofundava a melancolia do crepúsculo. Sou do dia.

Era um homem magro, franzino, talvez de um metro e sessenta e cinco, de pele queimada pelo Sol – um mulato. Discretas ondas quebravam o suave volume dos cabelos pretos penteados para trás.

Olhos castanhos e apertados eram protegidos por pálpebras inchadas e sobrancelhas arqueadas e rasas que destacavam o nariz afilado. Lábios roxos, que apaixonavam minha mãe, cerravam seu enchido repertório sisudo e monossilábico. Como as palavras, os sentimentos também eram apertados. A dor pela perda da mãe, minha avó, mostrou-se no recolhimento num quarto escuro. O verde dos meus olhos é da minha mãe.

Na cidade, suas pernas pedalavam na madrugada para chegar cedo à construção. O roçar perdeu para as pesadas latas de cimento carregadas no ombro. Foi servente de pedreiro. A bicicleta foi outra grande amiga e companheira dele. Ficou cardíaco.

Aos seis anos ele me deu uma bicicleta. Também ganhei um “caminhãozinho betoneira” quando estava internado no hospital por causa de uma encefalite. Eu tinha pedido um “caminhãozinho de boi e cavalo”. Fico pensando na representação que a betoneira tinha para ele já que a massa de reboco e concreto era amassada pela força que ele punha na enxada.

Seu amor e carinho por mim estavam na firmeza da voz que pedia para eu ter cuidado ao andar de bicicleta quando saia de casa para ir até um armazém buscar uma mistura para o almoço.

Naquela época a mistura ia de uma lata de massa de tomate até meio quilo de arroz. Podia ser ainda alguns gramas de carne ou algumas folhas de couve – uma mistura comum e freqüente no almoço e jantar. Preferia comer os talos que minha mãe colocava no canto da vasilha de alumínio.

Ele tinha muito ciúmes do rádio e da bicicleta. Não era raro discutirmos pelo rádio que eu só escutava pela manhã. Um dia o rádio foi roubado.

Minha mãe comprou outro prá ele - que me proibiu de colocar a mão no novo rádio de segunda mão que tinha sido da minha irmã mais velha – naquela época já casada.

Jean Piaget foi quem observou no comportamento adolescente um grande incremento nas habilidades cognitivas, o que pode levar a conflitos, uma vez que o indivíduo tem acrescidas, ainda, a razão, a necessidade de competição. Comprovei, por atitude, a teoria de Piaget.

Nos meus doze ou treze anos, como todo adolescente, fui atrevido e sem poucas preocupações com o que podia ou deveria ser dito. Foi assim que disse a ele que ainda teria um rádio só prá mim. Nesse rádio ele também não colocaria a mão. Gosto muito de música. Enquanto escrevo este texto, escuto música.

Aprendi a fazer “laranjinha” – em algumas regiões também recebe o nome de chup-chup, sacolé ou geladinho. Essa cidade não era tão quente como agora, mesmo assim eu vendia bastante.

Juntei grande parte do dinheiro e a outra minha mãe completou. Treze de dezembro de 1989, Casas Pernambucanas. Nesse dia e nessa loja compramos um rádio gravador, dois em um (rádio e toca-fitas), da Panasonic.

De fato meu pai não colocou as mãos no rádio. Quando o compramos completavam-se um ano, um mês e doze dias que ele tinha falecido. Foi logo após o almoço, numa terça-feira de vinte e cinco de outubro de 1988 por um derrame fulminante. Foi encantando aos quarenta e cinco anos de idade.

No Dia dos Pais, sempre o presenteava com um lenço de bolso. O dinheiro vinha de minha mãe. O lenço, da loja do Edinho e da Leninha.

Com o curto e cerrado repertório de meu pai, aprendi que o silenciar é um ato inteligente e providencial quando estamos na eminência de falar e agir com o atrevimento e pouca preocupação de um adolescente. Isso tem me poupado arrependimento.

A determinação nos impulsiona a girar o botão e sintonizar o desejo com a realidade. Sou determinado.

Conceder-nos o perdão, por uma atitude adolescente num tempo de adolescente, é permitir que a chegada do adulto se faça presente numa canção renovada.

No entardecer, algumas músicas vão mesmo nos deixar melancólicos, mas será necessário ouvi-las para acessarmos nossa essência que, tantas vezes, fica submersa numa lata de cimento a pesar em nossos ombros.

O quarto escuro e vazio de gente não é o melhor lugar da casa para ficarmos enquanto sentimos a dor da perda. Aconselho ficar nos cômodos onde o Sol entra livremente, sem nossa permissão e vontade. Pelo calor curativo, a dor da perda se transforma em saudade que acalenta.

Que nossos lenços sejam tirados do bolso e levados aos olhos para secar lágrimas depois de muitas risadas.

domingo, 2 de agosto de 2009

Preciso enviar mais cartas escritas à mão.

Foi ontem que assisti, pela segunda vez, ao filme “Uma Carta de Amor” com Kevin Costner. Já tinha esquecido o quanto a história era enfadonha.

Zapeando pelos canais de TV, parei no TNT. Não tinha escolha e nem força para permanecer com os olhos abertos no aconchego do escuro da sala e do macio do sofá. Dormi.

Foi em dezembro, próximo ao Natal, que enviei uma carta para um amigo. O computador ficou descansando enquanto uma caneta azul e algumas folhas de um caderno, provavelmente que levava para as aulas de inglês, acolhiam minha letra já não tão legível pelo excesso do uso do teclado. Perdi o costume de escrever a mão.

Tenho, no meu guarda-roupa, uma caixa de sapato vazia de sapatos e completa por cartas. Cartões de Natal, convites para bailes de formatura e festas de quinze anos, lembrancinhas de aniversário também estão lá dentro. É uma caixa de memórias. Na adolescência eu escrevia mais.

Era de minha tia Iolanda, a Nenê, de quem eu mais recebia cartas. Até chegarem aqui, percorriam um caminho longo que exibia morros e montanhas nos mais diferentes tons de verde. Algumas ladeiras e serras compunham a paisagem da Capital até o interior mineiro. Minas é um mar de montanhas – já disse Rubem Alves.

Na minha casa não tinha caixa de correios. As cartas eram entregues por debaixo do portão.
Mesmo tendo sua madeira gasta e corroída pelo tempo, ele protegia a entrada de nossa casa. Sem dobradiças, ele ficava solto do portal que também não existia. Um toco de pau, que em outra época serviu para segurar o arame para secar roupas e como vara para apanhar mangas, dava suporte para que ele não caísse. Era uma barricada.

Aniversário era quando eu mais recebia cartas e cartões.

Stamp Poster era o nome da loja onde eu comprava os cartões para enviar às pessoas que eram caras para mim. Caras de especiais, valiosas. Perdia-me com tantas opções, frases, fotos e formatos. Sou fascinado por imagens e cores.

Da minha casa até o centro da cidade gastavam-se quinze minutos. O ônibus parava na praça central e de lá até a loja era um pulo. De novo na praça, comprava meu gibi favorito, o do Homem-Aranha.

Minha tia faleceu. Troquei a loja pelo Zip Mail. Ela fechou. O Zip Mail também. Lançaram, no cinema, o filme do Homem-Aranha. Tenho sentido que a vida é rápida em mudar. A gente que é lenta.

Pelo GMail recebo inúmeras mensagens, mas nenhuma carta. Sinto saudades daquelas que vinham com o cheiro da cidade de onde partiram, com as digitais e o perfume das pessoas que as redigiam carinhosamente. Algumas certamente eram escritas sobre a mesa onde fora servido o café da manhã, pois vinham com uma mancha de manteiga. Sinto falta de ver mais letra e menos bite.

Não leio por muito tempo um pedido de desculpas pelas “mal traçadas linhas” – como cantaram Renato Russo e Erasmo Carlos na música A Carta. E talvez os colecionadores de selo estejam colecionando modelos de timbres e layouts para e-mail.

Minhas moedas, para selar alguma correspondência, estão guardadas. As caixas de postagem dos Correios devem estar solitárias em alguma esquina. Sinto-me também responsável por isso.
Aqui não tem mar. Não receberei nenhuma carta dentro de uma garrafa de vidro – como no filme “Uma Carta de Amor”. Tampouco poderei enviar daqui alguma carta por este caminho molhado.

Agora tenho caixa de correios. Mensalmente elas estão lá: as faturas de energia, água e telefone. Diariamente, muitos panfletos promocionais de supermercados são estocados também. Vez ou outra aparece um imã de geladeira com alguma propaganda de depósito de gás.

Neste domingo que termina com uma tarde nublada, fico pensando nas coisas que nos têm chegado e ocupado nossa caixa de correios da vida. Penso naquilo que protegemos ou guardamos dentro de uma garrafa de vidro ou numa caixa de sapato. O que estamos protegendo? Do que estamos nos protegendo? Será que queremos mesmo ser protegidos? Se queremos, por qual motivo o nosso portão é feito de madeira velha e corroída? Tenho outra caixa de sapato vazia de sapato. Preciso enviar mais cartas escritas à mão.

terça-feira, 28 de julho de 2009

As metonímias, humildes, têm cedido espaço às metáforas.

Foi no primeiro colegial, em 1989, que aprendi sobre metonímia com a Dona Zuleica, minha professora de português. Era assim que, naquela época, tratávamos nossos professores.

Um dos exemplos que me lembro bem e bem me lembro era a “Parte pelo todo”.

Em junho deste ano completou um ano que mudei do bairro onde morei por trinta e dois anos.

Procurei por uma casa. Um apartamento acabou me encontrando. Quem me conquistou foram a energia do lugar e a vista do por do Sol. Nos três, investi minhas economias de longos anos de trabalho. Daqui, o entardecer se faz e desfaz em muitos tons. É quando sinto mais sono.

Preenchi seu espaço vazio num sábado. Um dos quartos - que agora é a sala de TV e o escritório onde digito meus textos – gentilmente acolheu no primeiro mês algumas caixas, uma mala velha com CDs e um quadro que meus amigos nunca deixaram ser pendurado na parede. É de uma beleza singela e poética por trazer uma casinha branca, aconchegante e solitária entre as montanhas e arbustos. Um lago, um trilho na terra batida e talvez um cheiro de café passado na hora completam a cena que se encerra num fim de tarde. Tenho simpatia pela simplicidade.

O acolhedor – o quarto – por um tempo se viu sem ter o que acolher. Mais tarde ele recebera em suas paredes claras algumas prateleiras, no piso frio um comprido balcão onde está minha TV e o DVD. O computador e a impressora que estavam hibernados num caixa de papelão ganharam uma bancada novinha, branca e lisa.

O sofá só veio depois, muito depois de eu ter me cansado de assistir TV num banquinho de madeira e couro de vaca no assento. Aqui, no interior, esse banco é chamado de tamborete. Esse foi feito com carinho e artesanalmente por um dos meus tios.

Minhas irmãs são cuidadosas comigo. Herdaram isso da minha mãe. Gosto desse mimo e paparico. Uma delas, a Fátima, veio até o Rubem Alves – escolhi esse nome para meu apartamento. Sou um admirador deste educador, escritor e contador de histórias. Fiz essa homenagem. Quero ser seu amigo.

Foi ela que viu o sutil desalinho na bancada do computador e da impressora. Ate então, eu não tinha visto.

Sou perfeccionista no trabalho e cuidados com os detalhes. Em casa, despreocupo-me deles. Acho que, por isso, não percebi o que causara alguns poucos milímetros. Ela. a bancada, estava desorientada, fora do prumo, saiu do rumo.

Tem coisas que não precisam ser vistas, principalmente se for por alguém que tem apreço por metonímia e “A parte pelo todo”.

O torto seqüestrou minha atenção. Agora eu era seu refém e dos milímetros métricos que enchiam meus olhos de tortura. Troquei a metonímia pela hipérbole.

Por uns dias pensei que, para ajustar a bancada, deveria ser arrancada e afixada novamente.

Conversando com o marceneiro, percebi quão desnecessário isso seria. Procuro a ajuda de outras pessoas quando me sinto impotente e incompleto em algum assunto.

Aprumada a bancada foi por uma mão francesa – uma estrutura de madeira ou metal usada para dar sustentação. A dela foi de madeira. O marceneiro foi o cirurgião. Eu também me aprumei.
Essa situação fortaleceu em mim algo que já sabia e, por certo, havia esquecido diante do desaprumo: A parte pelo todo não representa o todo em sua totalidade, mas apenas uma parte.

Uma parte não tem o poder de qualificar o todo. O todo é mais belo do que a parte. É inteiro.

Em algumas situações é perfeitamente aceitável conviver com as diferenças causadas por alguns milímetros a mais ou a menos. É fato, alinho alguns.

Descubro-me e revelo-me no alinhar e desalinhar que me harmonizam.

Não importa se a mão é francesa. Uma mão é sempre uma força, um impulso, uma contribuição. Acho que por isso temos duas. Gosto muito das minhas.

Quanto às metonímias, humildes, elas têm cedido lugar às metáforas.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

É você que em você tem que crescer em mim.

Não gosto de inserir no blog textos longos. Nesse caso não tive outra escolha. Se tiver paciência prá ler, vá em frente. Acredito que valerá a pena.

Outro dia ao me deitar resolvi conversar com Deus. Há algum tempo eu estava muito ocupado e cansado para pensar em outra coisa a não ser no meu olho esquerdo que, desde fevereiro, sempre estava irritado. Quando não era ele, era a pálpebra inferior e, quando essa me dava uma trégua, a superior se irritava.

Na verdade, começou com a pálpebra inferior, depois a superior, por último a conjuntiva. Esse ciclo vinha se repetindo com freqüência, dia após dia. Cheguei a ter conjuntivite e, depois dela, uma bactéria se alojou no canto esquerdo do olho. Coceira insuportável, mancha vermelha, descamação da pele, colírio, pomada, gaze e soro fisiológico foram minhas companhias mais próximas nestes longos primeiros meses do ano.

Contabilizei oito visitas a diferentes profissionais das áreas de dermatologia, oftalmologia e alergia.

Fui enxergar no passado e vi as reais bactérias que haviam se alojado em mim nessa longa estação. Eram muitas, vinham de toda parte e agrediam minha essência. Por ver algo tão ofensivo, escolhi o olho esquerdo para rejeitar o que me intoxicava. Era meu protesto, minha guerrilha, minha guerra fria. Às vezes é mais inteligente fechar os olhos. Ainda prefiro deixá-los bem abertos, mesmo com a ajuda de colírio e pomada.

Pelo olho esquerdo e a irritação, escrevi “Mudei o jeito de olhar”, o primeiro texto deste blog. Os dois, o olho e a irritação, me fizeram mudar o jeito de olhar. A irritação não era dele, era minha. O olho também. Sou grato a eles.

Não me esqueci de contar sobre minha conversa com Deus. Era necessário esse contexto. Nessa história, Ele esteve presente de três maneiras. Ele sempre esteve desde o começo, mas só fui perceber isso agora. Dessas três, duas foram como Ele sempre faz comigo – pelos sonhos. A outra por um livro, A Cabana.

Você já sabe, eu havia acabado de me deitar. A irritação que antes estava só no olho esquerdo, já tinha chegado até meus pensamentos e havia enfraquecido minha fé. Eu estava bem desanimado e já tinha me esquecido – desde muito tempo - da frase falada em pensamento quando sofria algum desconforto:

- Agora mesmo isso passa.

Com ela eu tinha o poder de tornar o “possível infinito” no finito. Eu era o controle, o comando, mas agora o comandado.

Pedi a Deus uma resposta para entender a causa dessa insistente irritação no olho esquerdo. Também perguntei por onde Ele andava que não enviava uma resposta e uma solução definitiva. Sempre fui cheio de fé. Aprendi com minha mãe e com as respostas e sinais que tinha e tenho em meus sonhos.

Também pedi a minha mãe, já falecida, que me desse algum sinal, uma resposta. A dela veio primeiro. Em sonho recebi sua visita e olhando firmemente nos meus olhos disse que eu só seria curado quando aprendesse a perdoar. Não entendi a mensagem, pois, honestamente não guardo nenhum rancor.

Não tinha nada que fazer senão pensar nisso. Descobri-me exigente demais comigo e, quase sempre, implacável com minha condição humana – que permite falhas. Continuo exigente. Estou praticando o perdão. Ele é libertador.

Numa noite acordei com a frase escutada em sonho: “É você que em você tem que crescer em mim”. Um susto. Um pulo da cama. Uma anotação num pedaço de papel. Uma madrugada para decifrar o sinal vindo Dele.

Entendi que esperava demais que Ele, Deus, se fizesse presente em mim, crescesse em mim. Uma tolice de quem tem a visão limitada. E nesse caso não foi pela irritação.

Ele por si só é total e não precisa ser preenchido. Eu, na minha pequenez da fé é que precisava me preencher Nele, crescer Nele, acreditar Nele.

Tenho, diariamente, reforçado minha fé. Nossa Senhora Desatadora dos Nós tem me auxiliado nisso. Não é fácil a entrega livre, despretensiosa, leve e segura. É um crescendo – um infinito no gerúndio. Ainda vacilo. Concedo-me o perdão por isso.

E o livro A Cabana, onde se encaixa? Ele estava lá, nas Lojas Americanas. Fui apresentado a ele por uma amiga, a Lú Paranahyba. Não o comprei naquele dia. Prá ser sincero não dei muita importância a ele. Preferi comprar DVDs de filmes assistidos em outras épocas. As vezes sou saudosista.

Insistente Ele foi, Deus, em colocar-me na Cabana. Dessa vez a indicação veio pela Andréia Chaves, uma amiga de trabalho. Não resisti. Comprei-o.

Uma frase, intrigante, do livro: “Eu (Deus) tenho a ver com ser. À medida que você cresce no relacionamento comigo, o que fizer simplesmente refletirá quem você realmente é”. Esta e a frase escutada no sonho eram similares e se complementavam. Fortes, intensas, transformadoras, grandiosas.

Entendi o recado. Mudei o jeito de olhar. Mudei o jeito de me enxergar. Mudei minha relação comigo. Mudei minha relação com Deus.

Àquelas antigas companhias, as deixei de lado. Ainda prefiro minha família e amigos. O olho continua comigo. Aliás, os dois olhos. A irritação, muito menos insistente - tem sumido à medida que cresço na minha relação com Deus e me concedo o perdão.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Cansei-me delas.

Não tenho mais certezas. Cansei-me delas.

Sentindo-me cansado, resolvi pensar naquilo que me cansava. Mais cansado fiquei de pensar no que me cansava.

Pensar cansa porque exige muitas conexões. Exige muito de nós. De vez em quando sou preguiçoso.

Buscamos respostas que, nem sempre, são encontradas - não que estejam perdidas ou foram escondidas por alguém. E não que precisam ser buscadas.

Elas estão lá ou não estão ou não existem. E, se estiverem, talvez não queiram sair de lá, serem encontradas, incomodadas.

Também criamos algumas por conveniência – principalmente àquelas que nos traz a sensação de poder absoluto.

Outras são imaginadas para explicar aquilo que não precisa ser explicado.
A explicação não mudará a ordem das coisas. Por certo pode acalmar o nosso desejo de controle e razão.


Quando encontramos alguma resposta, queremos que seja a melhor e fidedigna. O ego da gente é muito grande. Não basta ter a resposta. Ela precisa ser certa, certeira, indiscutível.

Já me peguei defendendo minhas certezas que eram só minhas.

Já vi olhando para mim algumas certezas que não eram minhas. Preferi tirar o olho delas. Algumas já me seduziram e minhas certezas se apaixonaram pelas certezas que não eram minhas. Tenho me percebido flexível nisso.

Minhas certezas já se confrontaram entre si e com as de outras pessoas – algumas que me são caras e outras nem tanto.

Gosto do confronto porque me desafia a ter argumentos. Sou competitivo. Prefiro cautela à teimosia.

Não me canso do pensamento e nem ele de mim.

Senhor e escravo. Comandante ou Marujo. Eu e ele vivemos essa relação. Não é cansativa. É instigante, deliciosa.

Pensei que o pensamento fosse o motivo do meu cansaço. Não era.
As certezas é que ficavam por um longo tempo na posição de Comandante ou Senhor. Hoje não mais. Cansei-me delas.

domingo, 5 de julho de 2009

Mudei o jeito de olhar.

Não são as flores dos Ipês que estão mais bonitas e cor-de-rosa, nem o azul do céu mais azul, tampouco o vento mais suave. Mudei o jeito de olhar.

Da mesa do trabalho, através da parede de vidro, vejo alguns Ipês. Um deles está bastante florido. Nessa época do ano eles ficam assim.

Sempre gostei de ver as flores dos Ipês. Elas me fascinam pela cor, beleza e singularidade.
Sutileza para chegar. Robustez para ficar. Delicadeza para ir embora. Cada flor completa este ciclo.

Não gosto desta estação, mas, confesso: ela é transformadora. Transforma os Ipês e a gente.
Dessa vez eu vi os Ipês e suas flores. Das outras vezes eu os tinha olhado. Deixei de olhar e passei a ver.

Tenho pensado muito nas coisas que, até então, apenas olhei e não vi. Não só coisas. Sentimentos, pensamentos, sensações e emoções. Estou também pensando em gente. Estou pensando em mim. Estou me vendo e não apenas me olhando.