terça-feira, 28 de julho de 2009

As metonímias, humildes, têm cedido espaço às metáforas.

Foi no primeiro colegial, em 1989, que aprendi sobre metonímia com a Dona Zuleica, minha professora de português. Era assim que, naquela época, tratávamos nossos professores.

Um dos exemplos que me lembro bem e bem me lembro era a “Parte pelo todo”.

Em junho deste ano completou um ano que mudei do bairro onde morei por trinta e dois anos.

Procurei por uma casa. Um apartamento acabou me encontrando. Quem me conquistou foram a energia do lugar e a vista do por do Sol. Nos três, investi minhas economias de longos anos de trabalho. Daqui, o entardecer se faz e desfaz em muitos tons. É quando sinto mais sono.

Preenchi seu espaço vazio num sábado. Um dos quartos - que agora é a sala de TV e o escritório onde digito meus textos – gentilmente acolheu no primeiro mês algumas caixas, uma mala velha com CDs e um quadro que meus amigos nunca deixaram ser pendurado na parede. É de uma beleza singela e poética por trazer uma casinha branca, aconchegante e solitária entre as montanhas e arbustos. Um lago, um trilho na terra batida e talvez um cheiro de café passado na hora completam a cena que se encerra num fim de tarde. Tenho simpatia pela simplicidade.

O acolhedor – o quarto – por um tempo se viu sem ter o que acolher. Mais tarde ele recebera em suas paredes claras algumas prateleiras, no piso frio um comprido balcão onde está minha TV e o DVD. O computador e a impressora que estavam hibernados num caixa de papelão ganharam uma bancada novinha, branca e lisa.

O sofá só veio depois, muito depois de eu ter me cansado de assistir TV num banquinho de madeira e couro de vaca no assento. Aqui, no interior, esse banco é chamado de tamborete. Esse foi feito com carinho e artesanalmente por um dos meus tios.

Minhas irmãs são cuidadosas comigo. Herdaram isso da minha mãe. Gosto desse mimo e paparico. Uma delas, a Fátima, veio até o Rubem Alves – escolhi esse nome para meu apartamento. Sou um admirador deste educador, escritor e contador de histórias. Fiz essa homenagem. Quero ser seu amigo.

Foi ela que viu o sutil desalinho na bancada do computador e da impressora. Ate então, eu não tinha visto.

Sou perfeccionista no trabalho e cuidados com os detalhes. Em casa, despreocupo-me deles. Acho que, por isso, não percebi o que causara alguns poucos milímetros. Ela. a bancada, estava desorientada, fora do prumo, saiu do rumo.

Tem coisas que não precisam ser vistas, principalmente se for por alguém que tem apreço por metonímia e “A parte pelo todo”.

O torto seqüestrou minha atenção. Agora eu era seu refém e dos milímetros métricos que enchiam meus olhos de tortura. Troquei a metonímia pela hipérbole.

Por uns dias pensei que, para ajustar a bancada, deveria ser arrancada e afixada novamente.

Conversando com o marceneiro, percebi quão desnecessário isso seria. Procuro a ajuda de outras pessoas quando me sinto impotente e incompleto em algum assunto.

Aprumada a bancada foi por uma mão francesa – uma estrutura de madeira ou metal usada para dar sustentação. A dela foi de madeira. O marceneiro foi o cirurgião. Eu também me aprumei.
Essa situação fortaleceu em mim algo que já sabia e, por certo, havia esquecido diante do desaprumo: A parte pelo todo não representa o todo em sua totalidade, mas apenas uma parte.

Uma parte não tem o poder de qualificar o todo. O todo é mais belo do que a parte. É inteiro.

Em algumas situações é perfeitamente aceitável conviver com as diferenças causadas por alguns milímetros a mais ou a menos. É fato, alinho alguns.

Descubro-me e revelo-me no alinhar e desalinhar que me harmonizam.

Não importa se a mão é francesa. Uma mão é sempre uma força, um impulso, uma contribuição. Acho que por isso temos duas. Gosto muito das minhas.

Quanto às metonímias, humildes, elas têm cedido lugar às metáforas.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

É você que em você tem que crescer em mim.

Não gosto de inserir no blog textos longos. Nesse caso não tive outra escolha. Se tiver paciência prá ler, vá em frente. Acredito que valerá a pena.

Outro dia ao me deitar resolvi conversar com Deus. Há algum tempo eu estava muito ocupado e cansado para pensar em outra coisa a não ser no meu olho esquerdo que, desde fevereiro, sempre estava irritado. Quando não era ele, era a pálpebra inferior e, quando essa me dava uma trégua, a superior se irritava.

Na verdade, começou com a pálpebra inferior, depois a superior, por último a conjuntiva. Esse ciclo vinha se repetindo com freqüência, dia após dia. Cheguei a ter conjuntivite e, depois dela, uma bactéria se alojou no canto esquerdo do olho. Coceira insuportável, mancha vermelha, descamação da pele, colírio, pomada, gaze e soro fisiológico foram minhas companhias mais próximas nestes longos primeiros meses do ano.

Contabilizei oito visitas a diferentes profissionais das áreas de dermatologia, oftalmologia e alergia.

Fui enxergar no passado e vi as reais bactérias que haviam se alojado em mim nessa longa estação. Eram muitas, vinham de toda parte e agrediam minha essência. Por ver algo tão ofensivo, escolhi o olho esquerdo para rejeitar o que me intoxicava. Era meu protesto, minha guerrilha, minha guerra fria. Às vezes é mais inteligente fechar os olhos. Ainda prefiro deixá-los bem abertos, mesmo com a ajuda de colírio e pomada.

Pelo olho esquerdo e a irritação, escrevi “Mudei o jeito de olhar”, o primeiro texto deste blog. Os dois, o olho e a irritação, me fizeram mudar o jeito de olhar. A irritação não era dele, era minha. O olho também. Sou grato a eles.

Não me esqueci de contar sobre minha conversa com Deus. Era necessário esse contexto. Nessa história, Ele esteve presente de três maneiras. Ele sempre esteve desde o começo, mas só fui perceber isso agora. Dessas três, duas foram como Ele sempre faz comigo – pelos sonhos. A outra por um livro, A Cabana.

Você já sabe, eu havia acabado de me deitar. A irritação que antes estava só no olho esquerdo, já tinha chegado até meus pensamentos e havia enfraquecido minha fé. Eu estava bem desanimado e já tinha me esquecido – desde muito tempo - da frase falada em pensamento quando sofria algum desconforto:

- Agora mesmo isso passa.

Com ela eu tinha o poder de tornar o “possível infinito” no finito. Eu era o controle, o comando, mas agora o comandado.

Pedi a Deus uma resposta para entender a causa dessa insistente irritação no olho esquerdo. Também perguntei por onde Ele andava que não enviava uma resposta e uma solução definitiva. Sempre fui cheio de fé. Aprendi com minha mãe e com as respostas e sinais que tinha e tenho em meus sonhos.

Também pedi a minha mãe, já falecida, que me desse algum sinal, uma resposta. A dela veio primeiro. Em sonho recebi sua visita e olhando firmemente nos meus olhos disse que eu só seria curado quando aprendesse a perdoar. Não entendi a mensagem, pois, honestamente não guardo nenhum rancor.

Não tinha nada que fazer senão pensar nisso. Descobri-me exigente demais comigo e, quase sempre, implacável com minha condição humana – que permite falhas. Continuo exigente. Estou praticando o perdão. Ele é libertador.

Numa noite acordei com a frase escutada em sonho: “É você que em você tem que crescer em mim”. Um susto. Um pulo da cama. Uma anotação num pedaço de papel. Uma madrugada para decifrar o sinal vindo Dele.

Entendi que esperava demais que Ele, Deus, se fizesse presente em mim, crescesse em mim. Uma tolice de quem tem a visão limitada. E nesse caso não foi pela irritação.

Ele por si só é total e não precisa ser preenchido. Eu, na minha pequenez da fé é que precisava me preencher Nele, crescer Nele, acreditar Nele.

Tenho, diariamente, reforçado minha fé. Nossa Senhora Desatadora dos Nós tem me auxiliado nisso. Não é fácil a entrega livre, despretensiosa, leve e segura. É um crescendo – um infinito no gerúndio. Ainda vacilo. Concedo-me o perdão por isso.

E o livro A Cabana, onde se encaixa? Ele estava lá, nas Lojas Americanas. Fui apresentado a ele por uma amiga, a Lú Paranahyba. Não o comprei naquele dia. Prá ser sincero não dei muita importância a ele. Preferi comprar DVDs de filmes assistidos em outras épocas. As vezes sou saudosista.

Insistente Ele foi, Deus, em colocar-me na Cabana. Dessa vez a indicação veio pela Andréia Chaves, uma amiga de trabalho. Não resisti. Comprei-o.

Uma frase, intrigante, do livro: “Eu (Deus) tenho a ver com ser. À medida que você cresce no relacionamento comigo, o que fizer simplesmente refletirá quem você realmente é”. Esta e a frase escutada no sonho eram similares e se complementavam. Fortes, intensas, transformadoras, grandiosas.

Entendi o recado. Mudei o jeito de olhar. Mudei o jeito de me enxergar. Mudei minha relação comigo. Mudei minha relação com Deus.

Àquelas antigas companhias, as deixei de lado. Ainda prefiro minha família e amigos. O olho continua comigo. Aliás, os dois olhos. A irritação, muito menos insistente - tem sumido à medida que cresço na minha relação com Deus e me concedo o perdão.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Cansei-me delas.

Não tenho mais certezas. Cansei-me delas.

Sentindo-me cansado, resolvi pensar naquilo que me cansava. Mais cansado fiquei de pensar no que me cansava.

Pensar cansa porque exige muitas conexões. Exige muito de nós. De vez em quando sou preguiçoso.

Buscamos respostas que, nem sempre, são encontradas - não que estejam perdidas ou foram escondidas por alguém. E não que precisam ser buscadas.

Elas estão lá ou não estão ou não existem. E, se estiverem, talvez não queiram sair de lá, serem encontradas, incomodadas.

Também criamos algumas por conveniência – principalmente àquelas que nos traz a sensação de poder absoluto.

Outras são imaginadas para explicar aquilo que não precisa ser explicado.
A explicação não mudará a ordem das coisas. Por certo pode acalmar o nosso desejo de controle e razão.


Quando encontramos alguma resposta, queremos que seja a melhor e fidedigna. O ego da gente é muito grande. Não basta ter a resposta. Ela precisa ser certa, certeira, indiscutível.

Já me peguei defendendo minhas certezas que eram só minhas.

Já vi olhando para mim algumas certezas que não eram minhas. Preferi tirar o olho delas. Algumas já me seduziram e minhas certezas se apaixonaram pelas certezas que não eram minhas. Tenho me percebido flexível nisso.

Minhas certezas já se confrontaram entre si e com as de outras pessoas – algumas que me são caras e outras nem tanto.

Gosto do confronto porque me desafia a ter argumentos. Sou competitivo. Prefiro cautela à teimosia.

Não me canso do pensamento e nem ele de mim.

Senhor e escravo. Comandante ou Marujo. Eu e ele vivemos essa relação. Não é cansativa. É instigante, deliciosa.

Pensei que o pensamento fosse o motivo do meu cansaço. Não era.
As certezas é que ficavam por um longo tempo na posição de Comandante ou Senhor. Hoje não mais. Cansei-me delas.

domingo, 5 de julho de 2009

Mudei o jeito de olhar.

Não são as flores dos Ipês que estão mais bonitas e cor-de-rosa, nem o azul do céu mais azul, tampouco o vento mais suave. Mudei o jeito de olhar.

Da mesa do trabalho, através da parede de vidro, vejo alguns Ipês. Um deles está bastante florido. Nessa época do ano eles ficam assim.

Sempre gostei de ver as flores dos Ipês. Elas me fascinam pela cor, beleza e singularidade.
Sutileza para chegar. Robustez para ficar. Delicadeza para ir embora. Cada flor completa este ciclo.

Não gosto desta estação, mas, confesso: ela é transformadora. Transforma os Ipês e a gente.
Dessa vez eu vi os Ipês e suas flores. Das outras vezes eu os tinha olhado. Deixei de olhar e passei a ver.

Tenho pensado muito nas coisas que, até então, apenas olhei e não vi. Não só coisas. Sentimentos, pensamentos, sensações e emoções. Estou também pensando em gente. Estou pensando em mim. Estou me vendo e não apenas me olhando.