Foi no primeiro colegial, em 1989, que aprendi sobre metonímia com a Dona Zuleica, minha professora de português. Era assim que, naquela época, tratávamos nossos professores.
Um dos exemplos que me lembro bem e bem me lembro era a “Parte pelo todo”.
Em junho deste ano completou um ano que mudei do bairro onde morei por trinta e dois anos.
Procurei por uma casa. Um apartamento acabou me encontrando. Quem me conquistou foram a energia do lugar e a vista do por do Sol. Nos três, investi minhas economias de longos anos de trabalho. Daqui, o entardecer se faz e desfaz em muitos tons. É quando sinto mais sono.
Preenchi seu espaço vazio num sábado. Um dos quartos - que agora é a sala de TV e o escritório onde digito meus textos – gentilmente acolheu no primeiro mês algumas caixas, uma mala velha com CDs e um quadro que meus amigos nunca deixaram ser pendurado na parede. É de uma beleza singela e poética por trazer uma casinha branca, aconchegante e solitária entre as montanhas e arbustos. Um lago, um trilho na terra batida e talvez um cheiro de café passado na hora completam a cena que se encerra num fim de tarde. Tenho simpatia pela simplicidade.
O acolhedor – o quarto – por um tempo se viu sem ter o que acolher. Mais tarde ele recebera em suas paredes claras algumas prateleiras, no piso frio um comprido balcão onde está minha TV e o DVD. O computador e a impressora que estavam hibernados num caixa de papelão ganharam uma bancada novinha, branca e lisa.
O sofá só veio depois, muito depois de eu ter me cansado de assistir TV num banquinho de madeira e couro de vaca no assento. Aqui, no interior, esse banco é chamado de tamborete. Esse foi feito com carinho e artesanalmente por um dos meus tios.
Minhas irmãs são cuidadosas comigo. Herdaram isso da minha mãe. Gosto desse mimo e paparico. Uma delas, a Fátima, veio até o Rubem Alves – escolhi esse nome para meu apartamento. Sou um admirador deste educador, escritor e contador de histórias. Fiz essa homenagem. Quero ser seu amigo.
Foi ela que viu o sutil desalinho na bancada do computador e da impressora. Ate então, eu não tinha visto.
Sou perfeccionista no trabalho e cuidados com os detalhes. Em casa, despreocupo-me deles. Acho que, por isso, não percebi o que causara alguns poucos milímetros. Ela. a bancada, estava desorientada, fora do prumo, saiu do rumo.
Tem coisas que não precisam ser vistas, principalmente se for por alguém que tem apreço por metonímia e “A parte pelo todo”.
O torto seqüestrou minha atenção. Agora eu era seu refém e dos milímetros métricos que enchiam meus olhos de tortura. Troquei a metonímia pela hipérbole.
Por uns dias pensei que, para ajustar a bancada, deveria ser arrancada e afixada novamente.
Conversando com o marceneiro, percebi quão desnecessário isso seria. Procuro a ajuda de outras pessoas quando me sinto impotente e incompleto em algum assunto.
Aprumada a bancada foi por uma mão francesa – uma estrutura de madeira ou metal usada para dar sustentação. A dela foi de madeira. O marceneiro foi o cirurgião. Eu também me aprumei.
Essa situação fortaleceu em mim algo que já sabia e, por certo, havia esquecido diante do desaprumo: A parte pelo todo não representa o todo em sua totalidade, mas apenas uma parte.
Uma parte não tem o poder de qualificar o todo. O todo é mais belo do que a parte. É inteiro.
Em algumas situações é perfeitamente aceitável conviver com as diferenças causadas por alguns milímetros a mais ou a menos. É fato, alinho alguns.
Descubro-me e revelo-me no alinhar e desalinhar que me harmonizam.
Não importa se a mão é francesa. Uma mão é sempre uma força, um impulso, uma contribuição. Acho que por isso temos duas. Gosto muito das minhas.
Quanto às metonímias, humildes, elas têm cedido lugar às metáforas.
Zé Geraldo, adorei!!! Se eu continuar lendo seus textos, minha casa também terá um nome no futuro, quem sabe JG ou Zeca? bjs, Renata
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